Migrações internas: como a mobilidade humana transformou as sociedades ao longo da história
A história da humanidade é marcada pelo deslocamento constante de pessoas em busca de melhores condições de vida. Essa movimentação é um dos indicativos da diferença de desenvolvimento entre as regiões, pois onde há mais oportunidades de trabalho e rendas mais atrativas, há uma quantidade maior de imigrantes.
Apesar de as migrações internacionais receberem muita atenção, as migrações internas têm desempenhado um papel crucial na transformação das sociedades. Esses deslocamentos dentro das fronteiras de um país impactam a economia, a cultura e a organização social, influenciando a formação de cidades, o desenvolvimento e a dinâmica do mercado de trabalho.
Neste artigo vamos abordar alguns pontos importantes sobre as migrações internas, fazendo uma análise dessa dinâmica ao longo da história.
Migrações internas na história
As migrações internas sempre existiram, motivadas por fatores econômicos, políticos, ambientais e sociais.
- Idade Antiga (3500 a.C. – 476 d.C.): a expansão e colapso de impérios, guerras e conflitos, mudanças climáticas e desastres naturais, comércio e oportunidades econômicas, colonização e a necessidade de terras férteis levaram muitas populações a se movimentarem internamente.
Um exemplo de migração interna durante a Idade Média foi a busca por melhores condições de vida no Egito em torno do Rio Nilo.
- Idade Medieval (476 – 1453) : uma das principais características da Idade Média foi a existência do feudalismo. O feudalismo foi um sistema econômico, político e social baseado na relação entre senhores feudais e servos, com economia agrária e produção voltada para a subsistência. Esse contexto gerou muitas migrações internas, já que as pessoas buscavam terras férteis e liberdade. Além disso, outras situações levaram à movimentação de indivíduos durante esse contexto histórico, tais como: guerras e invasões, mudanças climáticas e perseguições religiosas, crescimento e declínio das cidades, epidemias e fome (foi nesse período que aconteceu a Peste Negra que dizimou milhões de pessoas e forçou deslocamentos em busca de locais menos afetados).
- Idade Moderna (1453 – 1789): o período da Idade Moderna foi marcado pela transição entre o feudalismo e o sistema capitalista na sua fase comercial. A lógica econômica baseada na terra e no trabalho servil foi substituída pela busca do lucro, pelo comércio global e pelo trabalho assalariado, consolidando o capitalismo como o novo sistema econômico dominante. Diante disso, aconteceram as Grandes Navegações que abriram novas rotas comerciais, permitindo o contato com diferentes mercados e o crescimento do comércio de especiarias, metais preciosos e escravizados. Foi nesse período que os europeus chegaram à América e iniciaram o processo de colonização nesse continente. Dessa forma, as migrações internacionais se tornaram mais intensas. No entanto, o crescimento do comércio também motivou as migrações de camponeses que buscavam trabalho nas cidades, especialmente com o desenvolvimento de manufaturas. Além disso, o movimento dos dos cercamentos (enclosures) na Inglaterra, forçou muitos camponeses a deixarem suas terras. Durante o período dos cercamentos, terras que antes eram de uso coletivo, onde os camponeses criavam animais e cultivavam pequenas plantações, foram cercadas e apropriadas por nobres e grandes proprietários.
Além do contexto descrito acima, outros fatores geraram migrações internas nesse período: perseguições religiosas (como as da Reforma Protestante e da Contrarreforma), trabalho forçado (povos indígenas e africanos foram deslocados internamente dentro dos territórios coloniais), conflitos e guerras, doenças e crise alimentares.
- Idade Contemporânea (1789 a hoje): grandes movimentações de impacto global aconteceram no mundo durante esse período, como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Além disso, o mundo passou por duas guerras mundiais. As descobertas tecnológicas na comunicação e no transporte favoreceram o aprofundamento do processo de globalização e a expansão do sistema capitalista. Sendo assim, as migrações internas e internacionais tornaram-se ainda mais presentes.
Em diversas localidades e períodos históricos durante a Idade Moderna ocorreram migrações internas devido à industrialização. Aqui vamos citar dois exemplos:
1. Durante a Primeira Revolução Industrial na Inglaterra no século XVIII, muitos camponeses migraram para cidades como Londres e Manchester.
2. No Brasil, a industrialização em São Paulo no século XX atraiu migrantes do Nordeste.
No entanto, outros fatores impulsionaram as migrações internas durante a Idade Contemporânea: desigualdade econômica e pobreza (diretamente ligada à busca por áreas industrializadas e urbanizadas com mais oportunidades de trabalho), mudanças climáticas e desastres naturais, conflitos e violência, construção de infraestruturas e grandes projetos (deslocando moradores para outras áreas) e expansão do agronegócio e mudanças na economia rural (chegada das tecnologias avançadas no campo).
Principais motivos das migrações internas
Ao analisar as informações históricas que abordamos no primeiro tópico, podemos perceber que as migrações internas, assim como as internacionais, acontecem, principalmente, pela busca por melhores condições de vida. A causa inicial do deslocamento pode variar de acordo com o período histórico ou a realidade local, todavia, percebemos que alguns geradores se repetem ao longo do tempo: guerras e conflitos, fatores ambientais, desigualdade econômica e perseguições.
- Conflitos e violência: guerras civis, violência urbana e disputas territoriais podem forçar deslocamentos internos. Exemplo: na Colômbia, muitas pessoas foram deslocadas internamente devido ao conflito com as guerrilhas e grupos paramilitares.
- Fatores ambientais: secas, enchentes e desastres ambientais forçam populações a abandonarem suas terras. Exemplo: no Brasil, a seca no Nordeste fez com que milhões de pessoas migrassem para estados como São Paulo e Rio de Janeiro ao longo do século XX.
- Desigualdade econômica: a falta de oportunidades em certas regiões leva indivíduos a buscarem melhores condições de vida em outras áreas. Exemplo: no México, muitas pessoas do sul do país se mudam para o norte em busca de trabalho na indústria maquiladora, próxima à fronteira com os EUA.
- Perseguições religiosas: um exemplo de migração interna devido a perseguições religiosas foi o deslocamento dos huguenotes na França durante os séculos XVI e XVII. Os huguenotes eram protestantes calvinistas que enfrentaram forte perseguição na França, um país predominantemente católico. Muitos huguenotes fugiram de regiões católicas para áreas mais tolerantes dentro da França.
Durante a Idade Contemporânea, as novas descobertas e os avanços tecnológicos também causaram migrações internas, pois possibilitaram mudanças nos usos dos espaços. Como exemplos podemos citar a construção da Usina de Três Gargantas, na China, que deslocou mais de 1 milhão de pessoas e a expansão da soja no Centro-Oeste do Brasil que levou muitos agricultores a se mudarem para cidades maiores. É importante citar que o solo da região Centro-Oeste do Brasil, especialmente no Cerrado, originalmente não era adequado para a agricultura em larga escala devido à sua acidez e pobreza em nutrientes essenciais. No entanto, diversas técnicas foram desenvolvidas para transformar essas terras em áreas altamente produtivas para a soja.
Impactos das migrações internas nas sociedades
A migração interna tem consequências significativas para as regiões de origem e destino:
- Econômicos: O crescimento das cidades pode impulsionar o desenvolvimento econômico, mas também gerar desemprego e desigualdade.
Um exemplo desse fenômeno é Detroit, nos Estados Unidos.
Durante a primeira metade do século XX, especialmente entre as décadas de 1910 a 1950, a cidade experimentou um crescimento econômico acelerado impulsionado pela indústria automobilística. Montadoras transformaram Detroit no coração da manufatura de automóveis do mundo, atraindo milhões de trabalhadores, incluindo afro-americanos que migravam do sul dos EUA em busca de melhores condições de vida. No entanto, esse crescimento não foi sustentável. O resultado foi um aumento do desemprego, pobreza e desigualdade, o que levou Detroit a declarar falência em 2013.
- Culturais: A mistura de diferentes culturas promove diversidade e inovação, mas também pode gerar conflitos e desafios de integração. Em muitos casos ocorrem manifestações de xenofobia, dentre elas, discriminação no mercado de trabalho, violência física, discursos de ódio e exclusão social.
- Sociais: A migração pode levar à melhora ou ao colapso dos serviços públicos, dependendo do planejamento governamental.
Um exemplo de migração interna que gerou colapso do serviço público no Brasil foi o crescimento acelerado da população em Manaus (AM) durante a Zona Franca.
A partir da década de 1960, com a criação da Zona Franca de Manaus, milhares de brasileiros migraram de diversas regiões, especialmente do interior do Amazonas e do Nordeste, em busca de empregos na indústria incentivada pelo governo. Esse rápido crescimento populacional sobrecarregou os serviços públicos, pois a infraestrutura da cidade não acompanhou o aumento da demanda.
Desafios e oportunidades
Apesar dos benefícios, as migrações internas também apresentam desafios:
- Superlotamento de centros urbanos e favelização;
- Dificuldades no acesso a serviços públicos;
- Necessidade de políticas para garantir a integração dos migrantes;
- Adaptação cultural e social dos migrantes;
- Disponibilidade de vagas de emprego;
- Xenofobia.
No entanto, também existem oportunidades, como o fortalecimento econômico das cidades, a diversificação cultural e o crescimento de setores produtivos.
Os migrantes podem contribuir através de sua mão de obra e do empreendedorismo, do consumo de bens e serviços e do pagamento de impostos e seguridade social, aquecendo a economia. Além disso, podem favorecer a criação de novas ideias e o desenvolvimento de diferentes perspectivas.
Conclusão
As migrações internas são um fenômeno essencial para a evolução das sociedades. Seu impacto pode ser positivo ou negativo, dependendo de como são gerenciadas e do planejamento governamental. Por isso, é fundamental que governos e comunidades trabalhem juntos para criar políticas que minimizem desafios e maximizem os benefícios da mobilidade humana. Afinal, a história mostra que, onde há movimento, há transformação e crescimento. Além disso, é importante trabalhar para que o desenvolvimento econômico e social seja menos desigual entre as regiões, pois assim será possível reduzir as migrações forçadas ou feitas de maneiras extremamente precárias e que colocam em risco as vidas dos emigrantes. O Brasil é um país que recebe muitos imigrantes internacionais e que também passa por intensos movimentos de migrações internas como vimos um pouco neste artigo. Por isso, é necessário pensar em políticas públicas adequadas para cada uma dessas situações.